Por
Marcos A. Bedin, jornalista, diretor da MB Comunicação e diretor regional da
Associação Catarinense de Imprensa (ACI)/Casa do Jornalista.
No
dia 29 de novembro, os chapecoenses vão cerrar os olhos, elevar seus
pensamentos aos céus e pronunciar uma prece silenciosa em memória das vítimas
do acidente com o avião que transportava a delegação da Associação Chapecoense
de Futebol a Medellín, na Colômbia. Muitos ouvirão o magnífico e pungente Toque
do Silêncio magistralmente interpretado por um músico imaginário. Os olhos
transbordarão de lágrimas, os corações serão tomados pela aflição. No
firmamento, 71 estrelas nos observarão em silêncio.
Não
haverá tribuno, nem discurso, nem mensagem capaz de interpretar esse momento.
As palavras serão inúteis. Os discursos serão dispensados. As pompas serão
canceladas. Somente o abraço forte e emocionado, o beijo carinhoso, o olhar
compungido e, acima de tudo, a presença solidária serão aceitas como
verdadeiras manifestações de um pesar profundo.
Quantas
emoções cabem em um ano? É pouco tempo para a fenda profunda cicatrizar. Ainda
nos assombra e jamais sairá de nossa memória a tragédia. A ausência desses
inesquecíveis jogadores, dirigentes, técnicos, empresários, tripulantes e
jornalistas constituem um capital humano cuja perda jamais será reparada nas
famílias, nas empresas e nas organizações onde seus talentos brilhavam.
Passamos
por várias fases. Do choque, da revolta e da reação. O choque da perda de 71
vidas foi potencializado pela constatação de uma cadeia de erros na gestão da
navegação aérea internacional e o protagonismo de um piloto viciado em voar sem
combustível – ou seja, fatores previsíveis e evitáveis. Alia-se o fato da
Chapecoense catalisar a admiração de boa parte do País como um Clube jovem,
despretensioso e feliz que vivia uma fase de excelentes resultados sob o
comando firme do presidente Sandro Pallaoro e do técnico Caio Júnior. O impacto
foi planetário. Povos de todos os continentes choraram com os brasileiros a
perda que calou fundo na alma dos chapecoenses.
O
mundo parou de uma forma jamais vista naqueles lancinantes e perturbadores dias
de 29 de novembro a 4 de dezembro de 2016, acompanhando o resgate, os
preparativos, o traslado para o Brasil e as cerimônias de despedidas. Chapecó
se transmutou na capital mundial da solidariedade e, a Chape, tornou-se o
segundo clube de milhões de torcedores em todas as nações.
A
revolta pela incompreensível perda foi inevitável, os dias ficaram longos e as
horas, amargas. Eram muitas emoções para viver, muitas informações para
processar, muitas incertezas a elucidar. O apoio do Clube, da comunidade, da
imprensa, das empresas e de milhares de voluntários permitiu articular uma
reação gradual e determinada para vencer o imobilismo da dor e do desespero.
Com muita transparência e espírito público, a diretoria da Chape, à frente Plínio David De Nês Filho, conduziu
a reação, amparou as famílias, assegurou indenizações e adotou todas as
providências cabíveis.
O
conceito e a convicção no associativismo/cooperativismo prevaleceram. A própria
Chape, um produto da ação cooperativa dos torcedores, empresários e
patrocinadores, exercitou mais uma vez essa política com um plano de reação, de
reconstrução e de compromisso com o futuro. A ação em lugar da resignação. A
retomada a partir do marco zero. Todos foram chamados a contribuir nessa obra
de reconstrução, ainda inconclusa, mas que segue em linha reta e ascendente rumo
ao seu desiderato.
O
primeiro ano pós-tragédia foi angustiante, tortuoso e torturante. Os percalços
dessa jornada de recomeço não empanam o brilho de uma vitória e de um desafio
conquistados – o de permanecer na série A do Campeonato Brasileiro. É dessa forma
que honramos todos os que partiram dessa dimensão.
Futebol
é a atividade humana mais impregnada de paixão e, onde predomina a paixão, não
se deve exigir lucidez e racionalidade. Por isso, é preciso relativizar os
eventuais exageros de torcedores e outras personagens do universo da bola que,
nesse interregno de 12 meses, às vezes foram anjos, às vezes algozes...
Eu
também ouço o músico imaginário interpretando Toque do Silêncio e reflito Por
quem os sinos dobram, lembrando estrofes do poeta inglês Jonh Donne:
"Nenhum homem é uma ilha isolada. Cada homem é uma partícula do
continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa
fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar dos teus
amigos, ou o teu próprio. A morte de qualquer homem me diminui, porque sou
parte do gênero humano. Por isso, não me perguntes por quem os sinos dobram...
eles dobram por ti!”.
Chapecó e a Chapecoense tem uma
mensagem ao mundo. Sofremos, mas, reagimos e perseveramos.